Falando de sexualidade e sociedade nos cinemas!

A infância é o momento no qual estamos aprendendendo a lidar com conceitos sociais e tentando compreender o funcionamento da sociedade, e por isso é uma fase da vida de muito aprendizado, e também muita confusão! Drama e delicadeza estão envolvidos no trato da infância e das tantas descobertas dessa fase em “Minha vida em cor de rosa”, filme comentado hoje no Muquifo (Sim, mais um francês! Sem julgamentos, por favor!).

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Título Original: Ma Vie en Rose Ano de produção: 1997 Direção: Alain Berliner Duração: 88 minutos

O filme nos conta a história de Ludovic e sua família: ele é um menino (biologicamente) um tanto quanto introspectivo, mas que não se isola totalmente e mantém um sorriso doce no rosto na maioria das cenas. Ludo, como é chamado, se reconhece como uma menina, e se comporta dentro dos padrões sociais esperados de uma menina (portanto é uma menina trans), o que fica claro logo nas cenas iniciais do filme, quando seus pais, recém-chegados na cidade, promovem uma festa para a vizinhança, e Ludo aparece de vestido e com maquiagem. Quando seus pais questionam aquela atitude, já longe dos vizinhos, Ludo afirma que queria se sentir bonita, usando sim o gênero em feminino, com a leveza e a inocência características da infância.

ImagemAcompanhamos, a partir de então, como a família de Ludo lida com sua transsexualidade e sua heterossexualidade confundida com homossexualidade, já que logo na festa e em suas primeiras cenas dentro da escola percebemos que ele se apaixona por um garoto da vizinhança, filho de um casal extremamente conservador, que representa o auge do preconceito no filme; e como ambos são, biologicamente, meninos, a vizinhança entende o comportamento enquanto uma “atitude homossexual”, e essa temática chega a ser comentada. Em certos momentos os pais de Ludo se mostram mais abertos a questão e a discussão, e em outros momentos repreendem de tal forma que, para nós, espectadores, chega a dar um aperto no peito. Todas as partes, porém, são mostradas de forma muito bonita: a dor da criança, que não entende porque não pode ser como se sente e tenta procurar explicações ou fugas à sua realidade; a dor dos pais, que precisam lidar com algo que não entendem e veêm o sofrimento da família; e a situação de completa cegueira social no que diz respeito ao preconceito com uma criança, que sofre tanto por algo que deveria ser compreendido como natural que é.

O filme é bastante pesado, ao mesmo tempo em que consegue ser bastante leve. O drama envolvido nas cenas carrega uma leveza característica da infância, mas também carrega o peso do preconceito com um ser tão puro e a respeito de algo tão natural. E um grande feito do diretor é ter conseguido imprimir em suas cenas esses sentimentos e todas essas críticas de uma forma não melodramática, e nem clichê, e com a mão certa para a escolha dos atores.

Esse é um daqueles filmes sobre o qual podemos passar horas falando e analisando, não só em termos cinematográficos, é claro, porque isso seria diminuir, e muito, toda a experiência que o filme proporciona, mas também discutir todas as questões levantadas, e o papel que cada personagem levanta e discute em suas ações. Esse é um filme necessário, portanto, a qualquer um que se interesse por narrativas bem construídas e principalmente pela temática da descoberta sexual e da questão de gênero na infância! Indico também a leitura desse e desse texto; ambos são excelentes, porém contém spoilers!

PS: Esse texto foi editado em alguns trechos colocando alguns detalhamentos entre parênteses, porque ele foi escrito para que qualquer um (mesmo quem não tem um amplo conhecimento sobre a questão de gênero e suas definições) fosse capaz de compreender, e isso acabou deixando com que alguns deslizes linguísticos passassem, tornando o texto, em certos momentos, cissexista: as alterações foram feitas, portanto, para que isso não ocorresse, mas ainda assim fosse um texto acessível e de fácil compreensão.

“Ligue os pontos” e sua poesia cotidiana!

Muitos conhecem Gregório Duvivier (do qual já comentei aqui) pelo seu trabalho como ator e roteirista, principalmente no Porta dos Fundos, mas esse não é o único ramo artístico abarcado pelo cara: ele também escreve poesia! Seu primeiro livro, “A partir de hoje eu juro que a vida vai ser agora”, foi imensamente elogiado, inclusive por Holoísa Buarque de Hollanda, Millôr Fernandes e Ferreira Gullar. O protagonista desse post, porém, não é seu primeiro livro, mas sim seu lançamento de 2013: “Ligue os pontos – Poemas de amor e big bang”.

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A poesia de Gregório consegue captar a imensidão das pequenices cotidianas, sem deixar de lado um lírico humor, construindo de forma espetacular cada palavra e estrofe, porém sem perder a espontaneidade. Nesse livro estão reunidos poemas escritos desde o lançamento do seu primeiro livro, que foram escolhidos e agrupados ao lado da Companhia das Letras. Temos uma divisão nessa obra: uma primeira parte, chamada “Cartografia afetiva”, e a segunda parte, “Aprender a gostar muito”.

Na primeira parte conhecemos a cidade na qual o autor mora, o Rio de Janeiro. Cada rua e cada canto carrega um pouco do autor e um pouco da sua poesia. As cenas cotidianas ganham um olhar singelo e sutilmente engraçado, trazendo para perto do leitor a sensação do lugar e a clareza de que cada espaço retratado em sua poesia tem alguma aura própria. Por mais que você não conheça o Rio deJaneiro (meu caso) com certeza se sentirá em casa, e terá a certeza de que o Rio de Janeiro continua lindo, e não só por suas paisagens de cartão postal, mas por suas pessoas e suas peculiaridades.InstagramCapture_72e66c04-2bb7-41c2-a3c3-8d06f6a4e719_jpg

Na segunda parte temos uma delicadeza incrível envolta nas cenas mais insignificantes do dia a dia, que na verdade são os momentos mais significativos e que nem percebemos. Essa foi a parte que encantou praticamente todos os leitores, e particularmente é a parte do meu livro com mais marcações! A poesia de Gregório tem um ritmo, e especialmente nessa segunda parte, uma delicadeza tão espontânea, mas ao mesmo tempo tão detalhadamente construída, que chega a espantar aqueles que tem um olhar pessimista sobre a atual produção poética do Brasil, e encanta qualquer apaixonado pela arte! Esse é um daqueles livros que até quem não gosta de poesia pode ler sem medo, porque vai ser amor na certa!

Descoberta e sentimento em “Azul é a cor mais quente”

O filme que protagoniza o post do Muquifo hoje rende várias polêmicas, dentre elas longas cenas de sexo entre duas mulheres, a temática da descoberta sexual e tensões entre atrizes e diretores. Tudo isso, porém, não impediu que o filme fosse aclamado pela crítica e ganhasse a Palma de Ouro. Alguns portais, como o UOL, fizeram reportagens sobre essas várias polêmicas, compilando-as e colocando algumas entrevistas e críticas sobre o filme, vale a pena dar uma conferida. Enfim, que o tapete vermelho se estenda para “Azul é a cor mais quente”.

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Título Original: La Vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2
Ano de produção: 2013
Direção: Abdellatif Kechiche
Duração: 177 minutos

A trama do filme é baseada no romance gráfico “Le Bleu est une couleur chaude”, de Julie Maroh: Adèle é uma garota de 17 anos que começa a se descobrir sexualmente, após se apaixonar a primeira vista por Emma e seus cabelos azuis. Acompanhamos como Adèle lida com essas descobertas sexuais e a moral de sua família e amigos, e também como se entrega a sua paixão e lida com a sua vida acadêmica e profissional.

tumblr_mrn0hllp7k1r4xrx9o1_500Muitas pessoas deixaram as salas de cinema quando as longas cenas de sexo surgiram nas telonas, mas também, muitas pessoas foram aos cinemas em busca dessas cenas: esqueçam isso! O que quero dizer é que o filme tem sim o sexo e o amor presentes, mas esse não é o principal. Estamos inseridos na vida de Adèle e trata-se de um filme sobre descobertas e sobre decisões.

O filme tem cenas muito intimistas, que nos aproximam cada vez mais das personagens, e isso faz com que nos envolvamos com a trama de uma forma única, o que demonstra uma excelente escolha do diretor. Uma escolha não tão boa assim seria a duração do filme, que tem quase 3 horas. É claro que isso não faz do filme uma experiência ruim, e todo esse tempo tem, inclusive, uma função, já que explora cada detalhe de cada emoção e cena, não tornando a coisa cansativa. Tenho, porém, a impressão de que o filme poderia ser um pouco mais enxuto em alguns momentos.

A fotografia da obra é maravilhosa, e qualquer um que aprecie a sétima arte deve dar atenção sim a esse filme, independente de polêmicas ou críticas quanto a sua duração e explicitude. Enfim, assistam ao filme e tirem suas próprias conclusões; e pra quem já assistiu, aguardemos o próximo! Indico também a leitura desse texto, que apresenta algumas reflexões interessantes a respeito do filme e sua repercussão.

Gregório Duvivier, um artista plural!

Para começo de conversa, que fique registrado nos anais da internet: Gregório Duvivier é um amor de pessoa pública!

O Sesc, entidade privada mantida por empresários do comércio de bens e serviços, promove anualmente o Prêmio Sesc de Literatura, que visa promover a literatura nacional e revelar novos autores, mas essa não é a única atividade literária que a entidade promove. Além disso há o “Sesc Literatura – Grandes escritores”, que promove palestras e oficinas com grandes autores brasileiros. Em minha cidade, Juiz de Fora, já recebemos autores como Zuenir Ventura, Adélia Prado, entre outros, e na última edição, ocorrida ontem, o convidado de honra da noite foi Gregório Duvivier.

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Ao longo do bate papo com o mediador da mesa o autor falou sobre como nasceu seu envolvimento com a arte, desde seus 9 anos, quando começou a fazer teatro, e se apaixonou; até o momento atual da sua carreira, na qual se mostra um artista diverso: sendo colunista da Folha de S. Paulo, roteirista, poeta, comediante, e é claro, ator. Ao longo de todas as suas considerações, pudemos ver como ele administra todo esse trabalho, e de que forma vê a literatura, principalmente nacional, na contemporaneidade: além de comentar grandes escritores, como Augusto dos Anjos e Manuel Bandeira, citou novos grandes autores que devem permear nossas leituras, como Daniel Galera e Antônio Prata.

Gregório Duvivier falou sobre algo que aqui se faz extremamente importante destacar: a liberdade da poesia e da internet. Quando trabalhava na televisão, o escritor se sentia, de certa forma, preso a uma burocracia que parece inerente a TV, e na internet sua produção encontrou uma liberdade totalmente diferente, que é também o que o autor diz sentir quando compara sua produção poética a sua coluna no jornal, no qual tem sim uma liberdade de escrita que o próprio caracteriza como “surreal”, mas ainda assim não se compara a liberdade linguística e sentimental da poesia. E aí outro ponto importante, no que diz respeito principalImagemmente a internet, é o trato dado ao trabalho que ele realiza no “Porta dos fundos”. Um espectador presente na platéia questionou o autor quanto a questão do politicamente incorreto, que hoje gera discussões intermináveis nas redes sociais: Gregório se posicionou, então, dizendo como o humor é capaz de ser transformador, quando bate de frente com questões sociais, estando do lado das minorias, ao invés de simplesmente reproduzir chavões preconceituosos que deveriam já estar no passado.

Após o bate-papo com o mediador e os presentes no evento, foi aberta uma sessão de autógrafos na qual o autor se mostrou esse amor de pessoa pública que inicia o post: tirou fotos com todos, conversou com todos, fez dedicatórias, e ainda pôde nos dizer algumas palavras sobre o evento: afirmou achar esse tipo de iniciativa muito importante para a formação cultural de uma cidade, já que forma leitores, e quanto mais leitores temos, temos mais e melhores escritores, melhores eleitores, etc.

Para finalizar, fica a indicação de um dos poemas presentes em “Ligue os pontos”, que em breve será comentado mais em detalhes por aqui!

Uma viagem extraordinária, nos cinemas!

O cinema francês é o queridinho de muitos amantes da sétima arte e, não só por isso, é claro, o festival Varilux de cinema francês é um marco no circuito de festivais nacionais. O que se deve, também, a competência do festival, é claro, que além da seleção de filmes, organiza atividades paralelas, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, como oficinas, exposições e outros projetos educativos. Em 2014 o festival chegou a 45 cidades brasileiras, apresentando 16 filmes, sendo um deles “Uma viagem extraordinária”, que protagoniza o post do Muquifo hoje!

ImagemTítulo Original: L’EXTRAVAGANT VOYAGE DU JEUNE ET PRODIGIEUX T.S SPIVET
Ano de produção: 2013
Direção: Jean-Pierre Jeunet
Duração: 105 minutos

O filme, baseado no livro “O Mundo Explicado por T.S. Spivet”, de Reif Larsen, nos conta a história de T.S. Spivet, um garoto de 12 anos que tem uma inteligência fora do comum para a sua idade, e mora em um isolado rancho em Montana, com a sua família. Tudo efetivamente começa quando ele recebe uma ligação informando que ganhou um grande prêmio científico, por ter inventado uma máquina de movimento perpétuo. O garoto não menciona ao telefone a sua idade e decide, sozinho, atravessar os EUA para receber seu prêmio. Intrinsecamente a essa trama central, temos toda a sutileza e delicadeza de Jean-Pierre Jeunet impressa no trato com a família do garoto e seus dilemas. Acompanhamos todas as aventuras e também os momentos mais tensos da viagem de T.S para receber seu prêmio; as relações familiares, que envolvem pessoas completamente diferentes, com seus próprios dilemas; e também o contraste cultural entre meio rural e meio urbano.

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Nesse filme temos algumas novidades em relação aos filmes anteriores do mesmo diretor, como, por exemplo, o uso do 3D. No cinema em que eu assisti, não havia esse recurso, e particularmente, prefiro assim. O 3D é um recurso, sim, interessante, mas que não é bem aplicado, já que a maioria das salas de cinema brasileiras não tem a estrutura mais adequada para receber esse tipo de filme, e aí ele acaba se tornando um privilégio de poucos. Sem falar, é claro, da má aplicação no próprio filme, considerando aí a maioria dos filmes que utilizam o efeito e acabam exagerando na mão! Não posso, porém, falar especificamente do uso nesse filme, já que assisti sem os efeitos 3D: há quem diga, porém, que esse é o melhor filme em 3D feito até hoje, portanto, lavo minhas mãos!

Como já era de se esperar do mesmo diretor de “O Fabuloso destino de Amélie Poulain”, a história é contada de uma maneira muito delicada, e única, cheia de cores e muita sutileza no trato com os sentimentos humanos. O pai, a mãe, a irmã, o irmão gêmeo e o cachorro, Tapioca, são personagens construídos de tal forma que conseguem ser engraçados, e ao mesmo tempo, expressar toda a subjetividade dos dramas e dilemas que envolvem a família ao longo do filme. E aí, é claro, cabe uma menção honrosa a escolha dos atores e atrizes que deram vida a esses personagens: Kyle Cattlet, que dá vida a T.S, é apaixonante, e consegue interpretar o personagem de uma forma brilhante, se mostrando, sinceramente, um ator muito melhor do que muita gente que já está no cinema por mais anos do que ele tem! Sem falar, é claro, na presença sempre marcante de Helena Bonham Carter, que me surpreendeu bastante nesse papel; e também da interação perfeitamente trabalhada entre os atores e atrizes. Por mais que tenha demorado, valeu a pena esperar por mais um filme de Jean-Pierre Jeunet, e se você ainda não viu, corre logo pra ver!

Para quem já viu, vale a pena conferir essa entrevista do diretor: é super curtinha, e bastante rica!

“Perdão, Leonard Peacock”: para ler em um dia!

Defeitos e qualidades estão aqui listados lado a lado para comentar “Perdão, Leonard Peacock”, livro de Matthew Quick. O autor ficou famoso depois do best seller “O lado bom da vida” alcançar um elevado número de vendas, e ter sido adaptado para os cinemas. No Brasil, livro e filme chegaram praticamente juntos ao mercado, e conquistaram grande parte do público brasileiro também. Esse seu segundo livro traduzido chegou em terras tupiniquins no ano passado, e não fez tanto alarde quanto “O lado bom da vida” fez, mas causou um burburinho.

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Nesse livro temos os detalhes de um dia de vida do adolescente Leonard Peacock, mais especificamente, o dia do seu aniversário, no qual ele pretende cometer um assassinato, seguido de um suicídio. Aparentemente um tema muito pesado, porém não. A escrita do autor é simples, e bastante fluida, e a todo o tempo temos comentários dramático-cômicos, o que torna a leitura bastante leve. Particularmente, o livro me surpreendeu: eu não li, e nem assisti ao filme de “Ao lado bom da vida”, simplesmente porque não haviam me chamado a atenção, portanto não esperava que esse livro fosse me agradar muito, e ele se mostrou uma leitura bastante prazerosa.

Apesar dessa experiência de leitura positiva, não há como deixar de fazer certas críticas negativas, não esquecendo, é claro, das positivas. O livro nos apresenta um personagem principal inteligente e sagaz, porém essa mesma pessoa se mostra muito infantil em certos momentos: podemos até entender essa imaturidade como uma característica da adolescência, mas definitivamente isso se torna um tanto cansativo em certas posturas de Leonard. Além disso, alguns acontecimentos surgem na trama de forma não tão orgânica quanto possível, ou seja, certas coisas acontecem de forma forçada em certos momentos, e dar mais detalhes sobre isso seria um imenso spoiler. Outra crítica, mas aí, voltada para a editora, é a respeito da quantidade de palavras erradas: encontrei ao longo da leitura vários erros de digitação, e alguns poucos de ortografia.

Não deixemos de lado, porém, as características positivas do livro: ele tem uma leitura rápida e fluida, se tornando ótimo para aquele momento em que você acabou de ler algo super pesado. Além disso, o livro trata alguns temas interessantes a se debater, dentre eles a relação entre crianças, adultos e adolescentes; pais e filhos; alguns preconceitos e posturas julgadas pela sociedade e também a relação entre pessoas muito diferentes entre si. A maioria desses temas é tratado, é claro, de forma bastante superficial, o que normalmente encontramos em best-sellers, que não se propõe a grandes e complexas reflexões. Além disso, alguns personagens secundários da trama são muito interessantes, enquanto outros são bastante caricatos; e a questão do assassinato, seguido de suicídio, certas vezes chega a ser tratado de forma boba, tornando a temática mais leve.

Enfim, se você acabou de ler aquele livro enorme e denso, ou se anda de ressaca literária, dê uma conferida em “Perdão, Leonard Peacock”, e divida suas opiniões por aqui!

“Desejo proibido”: três histórias, um só filme!

Não é todo dia que temos o prazer imenso de assistir a um filme que consegue reunir drama, comédia, beleza e crítica, mas essa é a experiência que “Desejo proibido” pode nos proporcionar. São três histórias, drigidas por Jane Anderson (The Prize Winner of Defiance, Ohio), Martha Coolidge (Lost in Yonkers) e Anne Heche (On the Edge).

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Título Original: If These Walls Could Talk 2
Ano de produção: 2000
Direção: Jane Anderson, Martha Coolidge, Anne Heche
Roteiro: Jane Anderson, Anne Heche, Alex Sichel E Sylvia Sichel
Duração: 96 minutos

1619209_242574185929179_1474192994878940207_nTemos aqui espécies de contos que são reunidos em um mesmo filme, tendo histórias diferentes, porém com pontos comuns: nesse caso, a mesma casa e a mesma orientação sexual. No primeiro momento, em 1961, temos a trama de Abby e Edith, na qual uma das partes, após um relacionamento de 50 anos, se vê em uma situação emocional e judicial muito complexa, ainda mais considerando a época na qual a trama se passa. Em seguida conhecemos, na mesma casa, em 1972, Linda, uma feminista expulsa do grupo de mulheres que ajudou a criar na faculdade, juntamente a três amigas, simplesmente pelo fato de serem lésbicas. Linda conhece, em c
erto momento, Amy, por quem se apaixona, levantando então questões muito interessantes sobre gênero e sexualidade. Por fim, em 2000, Fran e Kal se esforçam para ter um filho, o que rende cenas muito engraçadas, e, ao mesmo tempo, críticas.

Filmes que contêm mais de uma história, como “Night on Earth”, dificilmente conseguem criar um ritmo único, e, principalmente por conta da escolha de atores e atrizes, algumas histórias acabam sendo melhores que outras. Nesse caso, porém, é difícil escolher qual se mostra melhor que outra, porque elas conseguem criar um ritmo e cada atriz escolhida se encaixa de forma perfeita em seu papel. Outro ponto muito positivo do filme refere-se a continuidade que a constante presença da casa cria, acompanhando a continuidade do roteiro, que mostra os anos se passando, os aspectos sociais mudando, e, ao mesmo tempo, ainda tendo coisas a mudar, e principalmente marca a mudança de postura das diferentes mulheres que protagonizam o filme.

Esse é um filme perfeitamente indicado para qualquer um que se interesse por questões sociais, mas também para quem gosta de histórias de amor, porém não histórias de amor no estilo Nicholas Sparks, mas sim um amor real e palpável, que enfrenta dificuldades diárias, e no caso, enfrentam não só a convivência, com suas qualidades e defeitos, mas também o preconceito social e jurídico. Sinceramente, porém, acho que todos e todas que apreciam um bom filme devem assistir a esse!

A rainha do crime chegou!

Você sabe qual é o maior livro do mundo? Segundo o Guinness Book, “The Complete Miss Marple”, com 4032 páginas, contendo 12 romances e 20 contos, e medindo mais de 30 cm, é o maior livro de mundo. E de quem é a autoria desse livro? De uma das maiores romancistas britânicas: Agatha Christie, a “Rainha do Crime”. E esse não é o único motivo pelo qual a autora se encontra no livro dos recordes; ela também está lá por conta do elevadíssimo número de vendas dos seus livros: a autora já publicou mais de 80 obras, traduzidas para mais de 100 idiomas diferentes, e suas vendas são superadas apenas pela Bíblia e por Shakespeare! E isso não é pra qualquer um, portanto hoje o Muquifo abre suas portas para Agatha Christie!

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Agatha Mary Clarissa Christie, apesar de ser conhecida pelas suas mais de 80 obras policiais, escreveu também outros romances, sob o pseudônimo de Mary Westmacott, livros de poesias, um livro infantil, autobiografias e também obras de dramaturgia. Inclusive, a peça que está há mais tempo em cartaz, no mundo, é de sua autoria: The Mousetrap estreou em 25 de novembro de 1952 no Ambassadors Theatre em Londres, e em 25 de março de 1974 foi para o St. Martin’s Theatre, onde continua até hoje!

Os romances de Agatha Christie se tornaram best-sellers ao longo do tempo, o que não os deixa mais ou menos clássicos, já que a autora faz com maestria aquilo que se propõe a fazer, e consegue prender o leitor a sua trama de tal forma que é praticamente impossível simplesmente abandonar algum livro dela. Ainda assim, existem críticas a sua literatura, e acredito que a mais relevante delas é a forma como Agatha Christie resolve os mistérios que propõe de forma a realmente deixar o leitor sem a opção de investigar junto com o detetive: para alguns, é claro, esse será um ponto positivo, e para outros, um ponto negativo; mas o que ocorre é que, muitas vezes, o personagem tem acesso a pistas que o leitor não fica sabendo através da narrativa, e portanto não é capaz de solucionar o mistério junto com o detetive. A meu ver, esse não é um problema na obra de Agatha Christie, mas sim uma escolha narrativa que agrada a uns, e não agrada a outros. Outra crítica a respeito de sua obra seria a linguagem utilizada pela autora, já que é bastante simples quando comparada a outros clássicos: é importante, porém, entender que a linguagem utilizada por Agatha Christie é simples quando analisamos seus livros traduzidos, porque seus originais não são assim tão simples quanto imaginamos ao ler alguma de suas traduções para o português, e mesmo que o fossem, existem outros aspectos que a caracterizam enquanto grande escritora clássica que é.

Os personagens criados por Agatha Christie são, ao mesmo tempo, arrogantes e engraçados, caem em situações que dão um nó na cabeça do leitor, e ao mesmo tempo parecem totalmente condizentes quando paramos para analisar o contexto da história. Além disso, as ambientações feitas pela autora, e sua descrição, ao mesmo tempo, meticulosa e fluida, faz com que o leitor literalmente se sinta em casa, mesmo que esteja lendo a história de um serial killer, ou de um falso assassinato.Imagem

Dentre seus principais livros está “Assassinato no Expresso do Oriente”, que foi o primeiro livro dela que li, e recomendo como um primeiro contato com o trabalho da autora, já que apresenta as principais características da sua escrita, tem uma leitura muito fluida e realmente prende o leitor às palavras, isso sem mencionar que dá pra ler de uma vez só, na fila do banco, na espera do médico, na hora do almoço, não tem desculpa. Outras obras importantes, também, são “O misterioso caso de Styles”, sua primeira publicação, e primeira aparição de Poirot, o detetive tão comparado a Sherlock Holmes; “Assassinato na casa do pastor”, primeiro caso de Miss Marple, a simpática e sagaz velhinha que descobre de um tudo; “O caso dos dez negrinhos”, que também pode ser encontrado com o título “E não sobrou nenhum”, que é um dos livros mais vendidos da história; e “Assassinato de Roger Ackroyd”, considerado uma das obras-primas de Agatha Christie, mesmo com uma certa polêmica sobre a resolução do mistério. Os únicos livros da autora que eu não indico para um leitor iniciante de sua obra são “Cai o Pano” e “Um crime adormecido”: esses dois livros interessam muito mais àqueles que já estão familiarizados com os personagens principais das obras da Rainha do Crime e já tem, inclusive, uma afeição por um ou outro detetive.

Para os que já são fãs da autora, indico que visitem o site oficial dela, no qual podemos encontrar histórias, notícias, clube de leitura, produtos e fóruns, além da possibilidade de participar da criação de um romance policial, escrevendo capítulos de uma história, sempre usando cenas de abertura da própria escritora como ponto de partida. Além de ter seu capítulo publicado no site, o vencedor é convidado para um jantar literário e ganhar alguns prêmios bem interessantes! Vale a pena! E se você ainda não conhece esses clássicos dos romances policiais, procure um livro dela, e delicie-se!

“A banda” e a delicadeza do cotidiano!

Quando se fala em Oriente Médio, e suas redondezas, comumente ficamos presos em um senso comum que, inclusive, já comentei em outro post; mas independente de conflitos vários que já ocorreram, e ainda ocorrem, na região, as pessoas do cotidiano estão lá, apenas vivendo: são essas as pessoas que veremos em “A banda” (Bikur Ha-Tizmoret), filme israelense de 2007, dirigido e roteirizado pelo então estreante Eran Kolirin, que já tem uma carreira na TV israelense.

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Título Original: Bikur Ha-Tizmoret
Ano de produção: 2007
Direção e roteiro: Eran Kolirin
Duração: 87 minutos

Em linhas gerais o filme nos conta a trajetória da pequena banda de polícia de Alexandria, que sai do Egito, e chega a Israel, para tocar na inauguração de um centro cultural árabe. Ao chegar no aeroporto, os integrantes da banda percebem que não há alguém para buscá-los, e tentam, de alguma maneira, chegar ao seu destino por conta própria, em um ato de auto-gestão que acaba por levá-los a um vilarejo desértico, no interior. Ao descerem do ônibus, com o clima de estranheza já instaurado, descobrem que estão na cidade errada, e que só haverá um novo ônibus, para que cheguem ao seu destino, no dia seguinte. A partir de então chegamos ao ponto no qual o filme é realmente excepcional: aqui, não importa como a banda chegará a cidade na qual fará seu concerto ou o por quê de ninguém tê-los buscado no aeroporto; o que importa é conhecer os personagens e assistir as relações que eles estabelecem com as pessoas que os recebem no vilarejo.

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Desde a escolha do figurino da banda, que contrasta com a paisagem, até a direção e escolha dos atores, que marca de forma muito delicada e muito bonita o choque cultural entre a banda e as pessoas do vilarejo, o filme se mostra espetacular. Através de sutilezas, e diálogos de uma comicidade fina, a obra nos mostra como, no fundo, somos todos iguais e estamos todos em busca de conforto sentimental e felicidade, o que é muito íntimo e diverso, deixando de lado tensões históricas ou qualquer ranço étnico que pudesse existir entre os personagens israelenses e egípcios. A forma como a marginalização da banda decadente e da pequena cidade desértica é tratada com delicadeza e carinho conquista qualquer espectador sensível a um filme que sabe valorizar um bom roteiro e uma belíssima simplicidade. Não precisamos, aqui, de 3D ou grandes efeitos especiais: precisamos apenas de um olhar simples e atento!

“A banda” já ganhou diversos prêmios, dentre eles, oito apenas da Academia Israelense de Cinema, incluindo o de Melhor Filme; e isso não é a toa! Se você procura uma grande produção hollywoodiana, com ação e muitos efeitos especiais, com certeza esse não é o filme certo para você (mas mesmo assim você deveria ver, rs); mas se você procura realmente uma experiência cinematográfica, vá lá e assista logo!

Os mil sóis de Khaled Hosseini!

Guerra, dor e acasos da vida que transformam a rotina das pessoas em atos de sobrevivência: esses são alguns dos aspectos do livro que, hoje, invade o Muquifo! Falo de “A Cidade do Sol”, de Khaled Hosseini, cujo título em inglês é muito mais bonito e sonoro: “A Thousand Splendid Suns”.

Imagem(Essa é uma arte – linda – que eu encontrei aqui, porém a edição na qual eu li a obra é essa)

Khaled Hosseini é médico e escritor, nascido no Afeganistão, local que ambienta todas as suas histórias, e fez um sucesso notável com o lançamento do seu primeiro livro, “O caçador de Pipas”, de 2003, que chegou a ser adaptado para o cinema, nas mãos de Marc Forster, em 2007; ano no qual foi lançado “A cidade do sol”, o que contribuiu bastante também para o seu sucesso de vendas! Aqui temos o encontro das histórias de Mariam e Laila, duas mulheres criadas de forma muito diferente, que tiveram suas vidas convergidas depois dos tristes acasos que a guerra pode causar, e não apenas a guerra física, mas também a guerra moral e social.

Para nós, ocidentais, há um grande senso comum sobre a cultura do Oriente Médio, e esse livro desmistifica um pouco a ideia de que todos e todas por lá aceitam certos preceitos que consideramos cerceadores de liberdades, como por exemplo o uso da burca; e ao mesmo tempo nos mostra que em todo lugar há aqueles que são extremamente conservadores e aqueles que são mais críticos e libertários. Esse é um ponto muito interessante desse livro, já que normalmente temos uma visão muito maniqueísta de culturas que não nos são íntimas.

É claro que estamos falando de um best-seller, e portanto não dá pra esperar certos aspectos literários que esperaríamos de um clássico; e qualquer um que já tenha lido mais de um livro do Khaled Hosseini percebe que há uma fórmula básica usada em suas histórias, mas sinceramente isso não diminui a obra e a experiência de sua leitura: o livro é muito bonito; e pra quem já leu “O caçador de Pipas”, é notável o amadurecimento da escrita do autor nesse segundo livro, sem falar da forma como as temáticas da guerra, da cumplicidade entre as pessoas e a liberdade são tratadas! É sim um livro triste, é sim um livro que vai te fazer chorar, mas também é um livro que vai te fazer sorrir e refletir em muitos momentos: leitura recomendadíssima!

PS: Recentemente o autor lançou um novo livro, “O silêncio das montanhas”, que eu ainda não tive a oportunidade de ler; mas vi uma resenha no LidoLendo, disponível aqui, que me deixou bastante instigada!